quinta-feira, junho 29, 2006

Cores de Almodóvar



Vi Marco sentado à minha frente em um espetáculo, seus olhos permaneciam sempre dispostos frente à apresentação, um pouco embaçados pelas lágrimas que escorriam em seu belo rosto de quarenta anos... Porém, não me parecia estranho este acontecimento, não que eu o tivesse presenciado anteriormente, mas outro já me havia narrado o mesmo. Passei a sentir suas emoções que fervilhavam a poucos centímetros adiante, em tempo que não se desligara, nem pude conter o meu olhar ao encontrá-lo no hall do teatro. Ele...

Ah, sim! Assustou-se ao me ver! Deveria ser tímido, tão sensível daquela maneira, uma estranha a mirar-lhe... Sentou-se no outro sofá e pôs-se a fumar, perguntei se ele estava bem. Com um carisma um pouco áspero, disse qualquer coisa que negava minha preocupação. Que tola! Talvez a simpatia que tentei apresentar-lhe tenha soado inconveniente.

Bem, algumas vezes depois eu o vi perto da escola de balé e foram inevitáveis outras conversas. Era bastante agradável. A semana chovia incessantemente. Evoquei-lhe as lembranças daquelas águas, não me ocorrera que assim voltaria a mirá-las em seu rosto, um pouco mais quentes que as demais.

***

Aquela imagem da janela do apartamento de Benigno me atormentou, depois de sua morte tornou-se mais presente, foi o que vi ao contar tudo a Alicia. Que face! Não poderia descrever que sentimentos ali vigoravam, confundir-me-ia se tentasse entender tão complexo semblante, mal se apoiou em suas muletas, pôs-se a chorar toda a chuva da semana.


Será que tive mais sorte? Será que senti-la tão diretamente com seus sentidos perfeitos é melhor? Ouvir a voz pronunciando tudo que se passa, ou procurar palavras no mínimo gesto de um corpo em estado vegetativo? Minha percepção não possui esse alcance. Outro atribuiu-se disso. Um corpo é agredido de tal forma que sente dificuldades de comunicar-se com o mundo, até que outro venha decifrá-lo.

***

As minhas entranhas têm os humores dele. Violentou carinhosamente meu corpo. Como o amante minguante, ele entrou em mim e ali permaneceu, a semente de uma germinação morta, que tal prenhez concebida na escuridão de um coma, soprou-se vida no mórbido quarto de hospital e acordou-me. Sim, eu podia ouvir, mesmo que não lembre, suas falas intermináveis, ou seu zelo esperançoso, sua capacidade de sentir os imperceptíveis restos de existência num espírito sem harmonia com os demais.


O seu amigo Marco está aqui. Talvez sua presença deixe-me mais à vontade para soluçar sem ter medo de perder o ar. Chorar a chuva sem permitir que chegue a estiagem. Abandonar as muletas e dançar o desconcerto rítmico de meu coração.


domingo, junho 25, 2006

Caligrafia juvenil



No fim do ano eu faço dezessete anos, ate lá serei ainda um garoto de apartamento. Posso andar mais vezes pelo parque, posso tentar shows com a banda longe do quartinho da casa do Tico, devo talvez comprar novas camisas listradas, voar com meu balão ficando bem esperto para que nenhum passarinho o desinsufle, observarei um pouco mais os anúncios no caminho da escola e pensarei menos em Clarissa.

Ora bolas, desde aquele dia em que choveu ao tocar A long december e nós entramos de férias, há uma dúvida cruel se ainda quero ser seu colega. Não sei, mas aquela atmosfera não é a da terra, assim não me darei muito bem ficando esse tempo todo longe deste planeta. E é com um recorte de tesoura que estão marcadas em minha testa todas as tentativas de tirá-la da minha cabeça...

__ Não! Não é isso, eu não me sinto bem assim, deixa-me ir embora, depois eu converso com você. Isso me deixou tão mal! Eu tô tão confusa. Sinto um amigo esvair-se... Tenho uma febre por causa dessa tentação perante decisão já tomada. Assusta-me o mudar de idéia, pra você era melhor que isso não passasse, mas eu tenho medo, eu quero o desenrolar dos dias, a calmaria de uma lembrança e não o fervilhar de uma vivência. Teclo esses números do celular à mercê de qualquer ordem, na impaciência do coração descansar, ou do tempo ajudar, ou mesmo esses santos que existem por aí. Você é tão bom que cansa, humilha-se nesse desprendimento que me faz amá-lo sem querer tê-lo. Se o ser fraco é ter compaixão, entendo porque sempre que me perdoa, jogo você pra longe de mim, como um ser indefeso que eu não quero cuidar. Eu não quero mais falar, tá? Eu não agüento isso, não me venha com esse olhar pequeno, assim eu morro! Diga alguma coisa que não seja defender-se. Ouse! Maltrate-me! Eu quero odiar-te sem complacência. Talvez assim eu te queira.

terça-feira, junho 06, 2006

Oi, tudo bem?

À vista de um sonho corrente, bem molhado entre meus dedos. Seria distante sentir, fugir para mim, e ficar só ali, para ver as belas paisagens em valsas diurnas. O som do sim, inebriado pelo ar nas suas cordas vocais, tão tímidas, tão hesitantes em se revelar, distantes do pudor do mundo de lá, perto da minha casa, de sua chaminé que polui graciosamente o mundo com minhas expressões. E é tarde, tarde para eu não me perder. Eu vou cada vez mais fundo, o mergulho nunca é raso. Olho para trás, então eu ouço:
__ Oi, tudo bem?

domingo, junho 04, 2006

Sertão


O céu me lembra o sertão, mesmo de uma janela de sombras urbanas. Lembro daquele dia ao acompanhar meu pai em uma de suas "cavalgadas culturais", nas veredas. Ele e os outros cavaleiros seguindo trilhas de terra, e eu atrás, contraditoriamente em um automóvel ouvindo músicas elétricas, com a tecnologia que nunca chegará à altura da naturalidade campestre. E aqueles peões em sua humildade! Que justifica minha militância pela liga camponesa, pelo socialismo, tão longe da barbárie que estou acostumado a conviver. Meu boné, o chapéu de meu pai... Minha guitarra, sua viola e acordeon, sua bota, o meu all star... Enquanto ele respira o sertão, eu o sinto na literatura de Guimarães Rosa ou de Graciliano Ramos. Faz o mesmo frio, a paixão é quase a mesma, mas falta a alegria de um rio.

Ao tardar

Aqui estou com meus amigos, longe daqueles meus amores, tão longe, mas perto das canções que ouço agora. Para senti-las mais, coloco meu sentimento num simples i-pod, fico fora dos altos decibéis que rolam livremente na casa. Deito e sinto. Bjork, Mogwai, Sigur Rós, Radiohead, Los Hermanos...
Ah, um filósofo depois da abertura da última Heineken, diz: "para que todo momento inútil e aparentemente fútil seja inesquecível!

sexta-feira, junho 02, 2006

Rita Apoena e Sigur Rós



Ao ver o blog da Rita Apoena, aquele desenho de criança e a intensidade de suas palavras, perguntei se ela escrevia alguma coisa ouvindo Sigur Rós, ela respondeu:
__ Aaaaaaaaaah.... mas eu escrevo meus livrinhos todos ouvindo sigur rós. Nunca ouvi umas músicas que me levassem tão longe :)obrigada!

Click no link do título: video do Sigur Rós, maravilhoso!
 
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