domingo, agosto 19, 2007

Crash


“La casualidad que estábamos esperando”


Na cabeça rolava tanto álcool, que eu nem pude respeitar suas pernas que se mostravam. Entendeu claramente isso quando usou a parte da saia que dobrava-se para ajeitar o cair do tecido e conter o ímpeto da carne em ser vista. Eu deitava sobre as almofadas, toda a gente na sala servia para reforçar a minha falta, amanhã eu ficaria indisposto moralmente o dia inteiro, e eu lembraria que o carro bateu e nós não morremos.


As pessoas não conseguem absorver o que se passa. O nosso desespero é apenas chacota para quem nos vê de fora. Só que aí vem você, não diz nada e fica quieta e eu descubro a facilidade que minha alma tem para sair de mim, eu posso virar e dizer o que eu li ontem de Sartre, se você já viu aquele filme que o péssimo encontro pôs tudo a perder sobre a comunicabilidade dos corpos. Mas por um momento desacreditei que você poderia ser uma esponja, e na verdade sentisse apenas a superficialidade de um cara bêbado, que naquela noite estava só, perplexo como seu amigo, com a vida presa na garganta, depois da tentativa de ser arremessada para fora como contraponto à batida na placa.


“And Sarah said that love is watching someone die”, é quase o que música diz, os olhos estão no display do aparelho de cd, e eles não cruzam com os seus, e eu não conversei sobre os últimos anos antes de eu conhecer você, nem o quanto eu me iludi bebendo cerveja nesse fim de semana, e quanto isso não sou eu, e quanto aqui é chama, e quanto ela queima quando a casualidade flerta, mas não aperta com o corpo, desenhando em seu sorriso apenas uma possibilidade, tão vã, que me faz querer aparecer pra ti como um chato, e matar o acaso de uma vez e vê-lo apenas como uma morte que não aconteceu ou como um amor que não nasceu.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Regurgitação após embriaguez e solidão

Tentei vomitar o monstro da angústia, mas só saiu a sua sujeira, o seu simbionte negro, acho que o sopro de vida também, assustei quando acordei, achei que não ia ter o outro dia, que pena que não acabou, seria um belo fim para a vida de Flavio, agora vivo apenas mecanicamente o post mortem.
Monstro da angústia: bicho de estimação que vive dentro da gente, agarrado à garganta, pisando no coração com um pé e com o outro chutando o estômago. A cabeça dele pensa bem alto, no nosso crânio mesmo, e de vez em quando dói.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Peso

"And true love waits in haunted attics"
Thom Yorke
Evocar da pobreza de espírito uma rima rica, nesses andantes de arbustos que fecham o caminho, e se eu te descobrisse por fim ao me encontrar de novo, perseguir-te-ia no meio desta selva asfáltica, buscando o gosto de almofadas empoieradas, dos sentidos de nariz tamponado. Talvez irromper num ato novo, do bar em que quebrei a cara tantas vezes, do estomâgo de porco, das orelhas de burro. De outro animal, a roçar a pele sem sentir da alma o nojo.
Portar-me como um monstro, peludo e sujo, que na verdade não tem nada dizer, que se embeleza ao se esconder atrás de plantas e flores ou trancado numa prisão escura até que você volte e eu, adestrado, balance o rabo e urine nas calças.
 
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