Pífia estória, essa sua. Descolar-se inerte para criar um relato? Eu estou parado e você me olha, incita-me, podia contar do dia que matou seu cachorrinho porque ele preferiu a mim, ou quando fumei o cigarro paraguayo que a diarista esqueceu. A mirabolante ação cheia de planos rápidos fez a gente cochilar. Estou precisando escrever para viver, assim como a lavadeira lava roupas pra fora, quero fazer isso, pegar as peças sujas, principalmente as íntimas, enumerá-las para ter meu preço, buscá-las na segunda e entregá-las na quinta, para serem sujadas no fim de semana com vinho, suor, lágrimas, poeira, humores. Sim, pode sentar em qualquer lugar, é por peça que cobro, não por nível de sujeira, vai ser árduo o trabalho, mas vai ficar limpo.
Eu não consigo criar mais estórias, vivo as vidas dos outros sem mexericos, o simbólico e o real não são tão diferentes, real é quando você diz que não me ama mais, e simbólico é quando não atende o telefone, ou seria o contrário? Só que ontem você disse que me amava. Eu estou cansando, tô muito exigente comigo, mas quero as letras.
Aí você fecha a porta bem discretamente, avisando-me com antecedência, corre para casa no alívio de ficar só, e eu falo que na quinta trago suas roupas sim, que minha filha tá doente, que meu marido vai aproveitar a folga e cuidar dela, eu vou ficar só, perdida na visão infinita do sabão espumando, como lavadeira, escrevendo pra fora, ganhando humildemente o sustento da família.