quinta-feira, junho 28, 2007

estória pífia

Pífia estória, essa sua. Descolar-se inerte para criar um relato? Eu estou parado e você me olha, incita-me, podia contar do dia que matou seu cachorrinho porque ele preferiu a mim, ou quando fumei o cigarro paraguayo que a diarista esqueceu. A mirabolante ação cheia de planos rápidos fez a gente cochilar. Estou precisando escrever para viver, assim como a lavadeira lava roupas pra fora, quero fazer isso, pegar as peças sujas, principalmente as íntimas, enumerá-las para ter meu preço, buscá-las na segunda e entregá-las na quinta, para serem sujadas no fim de semana com vinho, suor, lágrimas, poeira, humores. Sim, pode sentar em qualquer lugar, é por peça que cobro, não por nível de sujeira, vai ser árduo o trabalho, mas vai ficar limpo.

Eu não consigo criar mais estórias, vivo as vidas dos outros sem mexericos, o simbólico e o real não são tão diferentes, real é quando você diz que não me ama mais, e simbólico é quando não atende o telefone, ou seria o contrário? Só que ontem você disse que me amava. Eu estou cansando, tô muito exigente comigo, mas quero as letras.

Aí você fecha a porta bem discretamente, avisando-me com antecedência, corre para casa no alívio de ficar só, e eu falo que na quinta trago suas roupas sim, que minha filha tá doente, que meu marido vai aproveitar a folga e cuidar dela, eu vou ficar só, perdida na visão infinita do sabão espumando, como lavadeira, escrevendo pra fora, ganhando humildemente o sustento da família.

quinta-feira, junho 21, 2007

horário nobre

Uma menina com os olhos da Jennifer Connelly fica meio achando graça porque não paro de olhá-la penso que se não estivesse ali de frente àquela escola de inglês de meio salário mínimo arranjaria fácil fácil um emprego de puta, mas não precisa; e o ladrãozinho enxerido que a chama de filha da puta nem sabe que isso quer dizer motherfucker, vai e leva embora a Veja e o cel novo, tá meio perdida ainda porque aquele ser estranho continua lhe encarando, mal sabe ela dos olhos de Jennifer Connelly. Atriz, poderia ser atriz, assim com inglês e olhos; papai prefere que seja advogada, mas bem que poderia ser puta de graça, já passou do pêra-uva-ou-maçã, e o papai diz que é puta só porque pegou no pau de um estranho na festa, ficar nesse negócio de ciúme besta, já passou dessa coisa de complexo de édipo também, prefere o pau dos bonitões da balada, o do velho deve tá murcho, assim como suas idéias. É fácil de imaginá-lo sentado em sua poltrona bem cara na cor da moda, vendo os absurdos no telejornal, a filha entra, diz oi-pai, nem o escuta responder, se é que ele responde - o fone tá alto pra caralho.
Acho que voltei pelo mesmo caminho por causa dos olhos ou mesmo pra terminar a história, ela ainda estava lá, acho que esperando a mamãe buscar, o ladrãozinho esperou a mãe um dia, mas ela não voltou, a revista que ele roubou nos ensina que ele é um deliqüente, por isso a informação de que ele não tem mãe é redundante. Um dia ele vai parar de sentir diminuído por essas moças bonitas e vai bater uma punheta bem tranqüilo, se for muito esperto arranja um trampo bem legal. Fazer bonito pro povo seu. A mamãe confere se ninguém está se aproximando e abre a porta pra filha, a dos olhos de quem eu já disse e não repito fecha o vidro e veste uma blusa de frio, tá calor lá fora, mas o ar do carro tá foda, olha meio perdida pra mim, talvez eu fosse um ladrão.
 
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